terça-feira, 31 de março de 2009

MAR NO OLHAR, OLHAR NO MAR

Mar que arredonda pedra
que arrefece areia
que se arrisca em mar.

Olhar que arremete alma
que arrepia pele
que se arranha em olhar.

Mar que queria olhar,
Olhar que queria mar
que queria amar
cada gota, cada grão,
cada poro, cada vão.

Mar na pedra,
Pedra na areia,
Areia no mar.

Mar no olhar.

Olhar na alma,
Alma na pele,
Pele no olhar.

Olhar no mar.

quinta-feira, 26 de março de 2009

BREVIDADE

Brevidade? Brevidade é nome de doce. Nada de breve pra mim. Não, não quero. Quero tudo muito longo. Não quero passar por passarinho que tem vida brevíssima, só não mais breve do que sua presa inseto. Mas não me ponham em cativeiro, daí não. Dou adeus à longevidade dos pássaros em cativeiro. Daí prefiro ser breve, como pássaro solto. Intensa. Demovo-me da idéia de demorar-me entre as quatro paredes do olhar do outro. Mil vezes os quatro cantos do olhar de ninguém.
Afasto-me do meu próprio olhar, pois tenho mania de me olhar com o olhar dos outros... Tenho que aprender a parar meu olhar fora de mim e a ser intensa como pássaro selvagem. Ser predadora, ainda que presa. Ser implacável, já que natureza.

TINHA ESCOLHIDO ASSIM

Não cabia em si de tanta infelicidade e queria caber, pois cabendo não transbordaria a ponto de perceberem. Não gostava de ser percebida em suas tristezas. Gostava de ser feliz, ou de parecer. Era assim que tinha aprendido, era assim que sabia ser, “parecer”. Não ousava ser, ousava parecer, se é que se é ousado quando apenas se parece ser.
Ainda não tinha aprendido a dizer não. Aquele "não" despido de justificativas. Aprendeu que as justificativas faziam doer menos. Não queria causar dor. E aprendeu que também ninguém percebia que as justificativas eram mentiras bonitas. Porque a beleza é sempre bem-vinda.
Aprendeu a ouvir e a calar. Não que não tivesse vontade de ser ouvida ou de falar, mas sabia que o seu silêncio permitia a exposição do outro. E na exposição do outro poderia entendê-lo mais, ainda que, assim, por vezes, entendesse a si mesma menos.
Estava deste jeito, sentindo-se encolhida. Presa na sua maneira de não ser. Tinha escolhido assim. E se toda escolha pressupõe liberdade, estava presa na sua própria liberdade.
Mas disso ninguém precisava saber...

EU NÃO ACREDITO EM OUTRA VIDA

Eu não acredito em outra vida porque “outro” pressupõe a existência de algo anterior, primeiro e, sem querer ser do contra ou desiludir quem precisa de ilusão, não creio nem na existência da primeira vida.
Não me estranhem mas, de fato, o ser humano vive cada dia da sua existência, considerando o “outro” dia como aquele em que fará aquilo que devia ter feito antes. E nesta sequência ilógica de erros malditos, não vive um dia sequer, realiza pouco ou quase nada.
Não acredito naquilo que se realiza pouco, porque o que pouco se realiza, na verdade, nem chega a existir, de tão incompleto que é.
Somos tão cegos e enxergamos tão pouco que há quem se sinta completamente realizado, achando que encontrou a tal felicidade, o tal amor, sem perceber que nem saiu de si mesmo, que só encontrou o que já existia dentro de si e que é apenas a ínfima parte do que poderia ser. Tão logo pega com as mãos o sonho alcançado, se cansa, porque, em essência, o tudo que se encontra é quase sempre quase nada. O tudo que poderia ser é extra-vida.
Somos seres humanamente iludidos e assim tem que ser, verdade seja dita, porque senão teríamos vontade de jogar fora a nossa falsa vida. A vida é um sono profundo. Viver é dormir para a realidade intangível.
Há aqueles que acordam no meio do sono ou nem dormem. São os lunáticos, suicidas ou poetas.

terça-feira, 17 de março de 2009

DESUMANIZANDO

E quanto mais me afastava da tal humanidade, e me aproximava do meu eu de dentro, mais conseguia ver do alto as fendas da terra por onde podiam se embrenhar os nós das curvas do meu pensamento e ele próprio se perdia naquela vastidão irregular de tão perfeita. Toda perfeição é imperfeita.
Engraçado como se podia ver o além de tudo lá de cima e como se podia ter certeza de tudo de tanto que não se tinha certeza de nada.
Sensação de que a terra se encaixava em mim por me encaixar nela. Sensação de pousar do alto sobre ela e de segurar suas mãos. A terra me emprestava a distância que nos separava e me emprestava também os sentidos que já nem existiam mais em mim quando era humana. Recuperava os meus sentidos, pouco a pouco, que fazia ter a exata noção do tamanho do meu nada que era tudo o que eu tinha.
Neste momento, eu tinha um poder comparável ao daqueles que já não sentem medo. Eu ganhei aquilo que eu tinha perdido por perder tudo que tinha ganho. Era gostoso pairar sobre as notas daquele silêncio. Respirei por um instante todo o ar que pude que era tanto que parecia vir de dentro também e, de fato, vinha. Aquele ar me enchia à medida que me esvaziava.
E o meu poder só aumentava. Eu sabia que eu podia tudo. A minha falta de humanidade me deixava feliz. Conforme ela se esvaía, eu ia sendo devolvida a mim mesma. E eu ia tomando consciência disso do alto do nada, lá de cima. No ápice deste momento, me atiraria de lá com prazer.

NÃO, VOCÊ NÃO DISSE NENHUM ABSURDO

Não. Você não disse nenhum absurdo. Apenas se alivia das dores.
Não julgue que não possui o direito de remoer o passado. Porque, afinal, quem é que tem o direito de remoer o seu futuro também? As pessoas planejam seu futuro como se existissem fórmulas imutáveis e infalíveis para se viver e, o que é pior, como se soubessem mais do que lhe vai no íntimo do que você próprio.
Sabe, eu até penso que o tempo não se remói mesmo, o tempo só se vive. Ele vai se esgotando por fora porque se acumula por dentro. É este acúmulo que a gente sente vontade de expulsar porque ele não faz parte e vai entrando sem pedir licença.
Feliz daquele que cospe o tempo na cara do tempo de fora que quer entrar.

segunda-feira, 9 de março de 2009

QUASE

Quase que queda
que quebra quartzo.
Quase qual quadra
quadrada que nada,
imperfeita.

Quase que quara.
Querosene que queima
quase que quente.
Quebranto, queimada
indecente.

Quase quizila, querela,
qual queixa qualquer.
Quase que cospe
quiçá o querer
indefeso.

Quase que quarta,
quarenta, quaresma.
Quase querida
castiga, quieta,
inerte.

Quase que acalma
qual química, quinino, cafuné.
Quase querubim, quimera, Quixote.
Quinhão em que não caiba qualquer
iniqüidade.

Quase que coisa quando concreto.
Quisto, queloide, coágulo.
Quase cansado, caquético.
Concha, casulo, cápsula
incarcerada.

Quase que caos
como quando catástrofe.
Quase carcaça carbonizada,
conclusa, inconteste,
incinerada.

Quase conforme
confirma o contrário.
Quase chacota, chacoalha
questão que calha
encravada.

Quase que tudo.
Quase que nada.

ACORDAR

A porta, madeira morta, que convidou a entrar, hoje, torta, convocou a sair.
O café ficou com gosto amargo e o estilete, que esculpia, imprimiu cicatrizes.
A esperança perdeu-se num intervalo qualquer, mesmo vão em que a admiração tornou-se campo desidratado.
É hora de sepultar de vez sementes que não brotarão.
E viva a realidade! E viva os pés no chão!

segunda-feira, 2 de março de 2009

COMO SEMPRE TÃO SÓ (GURI 2)

Vive ora de prazeres pequenos e esperanças grandes,
Ora de prazeres grandes e esperanças pequenas.
Tranca-se pra viajar e faz viagem pra não voltar.
Desmonta castelos de pedra para erguer lar de areia.
Guri nem entende mais o que sente,
como sempre perdido,
como sempre moleque,
como sempre tão só.

Ora despe as cores do dia, vestindo as nuances da noite,
Ora desnuda a sombra da noite, para cobrir-se no véu do dia.
Faz de conta que o mundo acaba pra acabar com o mundo de faz de conta.
Brinca com fogo porque quer se queimar.
Guri é assim, sabe que sim,
como sempre ardente,
como sempre pulsante,
como sempre tão só.

Ora fecha os olhos, abrindo a alma
Ora fecha a alma, abrindo os olhos.
Pega o presente com as mãos pra cumprimentar o passado
E diz pro futuro: eu me perdi.
Guri não tem pressa,
Como sempre ausente,
Como sempre se sente,
Como sempre tão só.

Ora se crê gigante para entender o pequeno,
Ora se entende pequeno para crer no gigante.
Chateia-se com porquês, porque já sabe as respostas.
E responde a todos com perguntas mortas.
Guri não é ortodoxo,
Como sempre paradoxo,
Como sempre tão nó,
Como sempre tão só.

Ora dialoga com seus fragmentos, casando os pedaços,
Ora se despedaça, fragmentando diálogos já descasados .
Mas ainda ri, que não quer chorar.
E ainda chora, pra não congelar.
Porque guri sabe que já não abraça o seu abraço,
Como sempre sem laço,
Como sempre dormente,
Como sempre tão só.

HÁ MÚSICA LÁ FORA ESPERANDO POR MIM

Desculpe se saio assim,
é que a pressa bateu em mim.
A conversa estava boa
e a canção acolhedora.
Dança num passo acertado,
mas algo saiu errado.
Eu bem que tentei do meu jeito
e você do seu,
o ritmo em algum lugar se perdeu.
A gente se desencontrou, amor...
Que seja, então, como for...
Deixei meus espaços abertos,
entreguei meus tons certos.
Você também fez sua parte,
com cadência e arte.
A felicidade não chegou por um triz,
e a gente tinha tudo pra ser feliz.
Vou desligar o som, guardar o cd,
E também a chance de afinar com você.
Tenho que ir embora,
despeço-me, há música lá fora
Esperando por mim.