terça-feira, 17 de março de 2009

DESUMANIZANDO

E quanto mais me afastava da tal humanidade, e me aproximava do meu eu de dentro, mais conseguia ver do alto as fendas da terra por onde podiam se embrenhar os nós das curvas do meu pensamento e ele próprio se perdia naquela vastidão irregular de tão perfeita. Toda perfeição é imperfeita.
Engraçado como se podia ver o além de tudo lá de cima e como se podia ter certeza de tudo de tanto que não se tinha certeza de nada.
Sensação de que a terra se encaixava em mim por me encaixar nela. Sensação de pousar do alto sobre ela e de segurar suas mãos. A terra me emprestava a distância que nos separava e me emprestava também os sentidos que já nem existiam mais em mim quando era humana. Recuperava os meus sentidos, pouco a pouco, que fazia ter a exata noção do tamanho do meu nada que era tudo o que eu tinha.
Neste momento, eu tinha um poder comparável ao daqueles que já não sentem medo. Eu ganhei aquilo que eu tinha perdido por perder tudo que tinha ganho. Era gostoso pairar sobre as notas daquele silêncio. Respirei por um instante todo o ar que pude que era tanto que parecia vir de dentro também e, de fato, vinha. Aquele ar me enchia à medida que me esvaziava.
E o meu poder só aumentava. Eu sabia que eu podia tudo. A minha falta de humanidade me deixava feliz. Conforme ela se esvaía, eu ia sendo devolvida a mim mesma. E eu ia tomando consciência disso do alto do nada, lá de cima. No ápice deste momento, me atiraria de lá com prazer.

Um comentário:

Calvin disse...

Perceber a fuga não seria o ponto central a ser comentado... Mas o questionamento da "humanidade" como uma observação muito relevante.
Perdemos a referência e fica muito difícil alcançarmos valores em meio a tanta turbulência de novos valores que surgem nas prateleiras dos supermercados da vida...