quinta-feira, 15 de janeiro de 2009

ARRUMAR ARMÁRIOS

Toda a minha vida arrumei armários e eles, ao seu jeito, distraidamente, me arrumaram. Cabides enfileirados, roupas passadas e ordenadas por cor, estilo e função.
Sempre há dor no descarte de peças. É necessário para dar lugar a outras. Mas cada peça descartada deixa lembranças, te convida para passeios. Você senta, segura as peças, recorda... Algumas te obrigam a conduzi-las de volta. Elas não querem ser usadas, elas desejam ser lembradas e desejam estar ali. Ali ficam. Você ajeita as calças, que possuem um compartimento só para elas. Sempre há uma ou outra esperando você perder ou ganhar peso, ainda que seu peso esteja inalterado há anos.
Nas gavetas forradas com papel pardo, dobrado para se ajustar ao fundo, as roupas empilham-se sem dó das que ficam por baixo, mas que são agraciadas com sabonetes, perfumando todo o armário, quarto e alma.
Tudo na mais perfeita ordem e você se sente bem, feliz, serviço realizado.
É incrível como organizar um armário te ajuda a compartimentalizar seus problemas, ordenar suas idéias, definir seus amores.
O problema é quando você encontra aquela maldita caixa. Aquela onde foram depositados alfinetes, botões, pedaços de jóias a serem consertadas, um parafuso que saiu não se sabe de onde, uma bateria cujo tipo precisa ser lembrado quando você for comprar uma nova para o relógio que já não usa mais, uma mola que teimou em ser guardada porque sua natureza elástica ainda é um mistério para nós e que não nos permite jogá-la fora (ela sempre tem cara de útil), enfim, toda sorte de coisinhas miúdas que você não sabia onde guardar.
Você sabe que esta caixa fragmenta seu ânimo, te conduz a ruas sem saída. Mas não há como se livrar dela, de seus estranhos objetos.
Sempre existe uma caixa dessas num armário ou estante. Pecinhas reunidas pela sua condição de independência umas das outras. Estão juntas para sempre por serem tão individuais, tão singulares.
É difícil fechar os olhos, ignorá-las e entender que elas jamais serão úteis para você. São depósitos de problemas insolúveis. Difícil enxergar que basta jogar a caixa fora para que, com ela, incertezas e incômodos desapareçam.
Lembre-se, ela nunca lhe será útil. Há muito que você vem utilizando outras peças no lugar daquelas. Acorde. Acordar, de vez em quando, é bom.

Um comentário:

Biel Renieя disse...

Menina...
Acho incrível como seu estilo de escrita é parecido com o meu...
Esse texto é perfeito...
A mola...
Você tem uma percepção das coisas e uma visão de mundo muito parecida com as minhas...
Bom, desculpe ser inconveniente.
Me chamo Gabriel, me identifiquei muito com seu blog.
O Hugo me passou o link.
Gostaria de manter contato, se você não se incomodar.

Um forte abraço e espero continuar tendo o prazer de ler seus textos e me identificar com eles.

Colocarei um link para seu blog na minha página, só pra eu voltar aqui mais vezes, tudo bem?

Um beijo e se cuide.