sexta-feira, 9 de janeiro de 2009

COLORIR É TORNAR REAL

Semana dessas, estava traçando o meu perfil num desses sites em que se conhece pessoas de todos os lugares do mundo. Naquele dia estava feliz, sei lá por quê. E queria demonstrar, de alguma forma, esta realidade.


Lembro que escrevi algo mais ou menos assim: “Sou do tipo que transforma tristeza em alegria, dor em prazer e sombra em luz. ..Passo a vida colorindo o que se mostra preto e branco...Sou feliz... “


O engraçado é que não esperava que ainda por aqueles dias eu fosse conhecer um amigo com uma adorável mania: a de colorir fotos antigas em preto e branco de artistas famosas.
Achei interessante o fato, sobretudo por ter uma relação com a frase do meu perfil. Não comentei a coincidência, não veio ao caso.


Quando fiz a frase, tratava-se de uma metáfora e esse amigo me mostrou como ela podia ser tão literal.


Não sei se ele tem o mesmo objetivo que eu de, de uma certa maneira, dar mais graça à vida, trazer felicidade para o tanto de tristeza que a gente já vive. Bom, eu sei que se esse também é motivo, não é o único.


Ele comentou ser um passatempo, mas passatempo é mera distração, não há responsabilidade quando se faz algo para passar o tempo. Poderia ser prazeroso, isso sim, mas não um simples passatempo. Isso não.


Há empenho, desgaste e estudo. Colorir uma fotografia em preto e branco é redesenhar, redescobrir.


Para ser bem clara, deixe-me dar um exemplo concreto...a escolha das fotografias é meticulosa, o tamanho tem que ser adequado, grande, para se ganhar em qualidade e precisão na hora do resultado. Quanto maiores, menos distorcidas as formas.


Ele me disse que tinha feito uma foto de Maria Bonita, mas não tinha obtido um resultado tão bom porque a foto não tinha tanta qualidade, era de meados do século XVIII.


Disse que fez por considerá-la uma fotografia bonita, uma cena forte. Ele tornou Maria Bonita bonita e não fez isso só com suas cores, fez isso com seu olhar atento. Ele me fez reparar na expressão decidida que, segundo ele, faria qualquer homem pensar duas vezes. Mostrou-me o detalhe de um revólver acima do seio esquerdo, dentro de um coldre.


Disse que, justamente nesta parte, a foto, no original, estava mais desfocada. E foi preciso que ele redescobrisse o revólver, riscando o desenho. Fico imaginando a maravilha desta descoberta. Imagino que se eu tivesse descoberto isso, sentiria vontade, na hora mesma em que me dei a conhecer, de partilhar o fato com alguém. Algo como nascer de novo e ter consciência disso. Um susto doce, gostoso... Pessoa, desculpe o plágio...entenda e não se zangue, afinal, plágio é praticamente ressurreição...


Teimo em dizer o quanto o olhar de Maria Bonita mexeu com aquele homem. Chamou de “olhar de cão” e “penetrante”. Disse pra mim: “Fixe o olhar nos olhos dela.”


Eu estava abrindo a foto, neste momento no computador, e ela demorava a carregar. Ia abrindo lentamente, aumentando a minha ansiedade de, enfim, ver o tal olhar. Quando a mirada pousou em mim, deu para sentir exatamente o que meu amigo disse, olhar de meter medo! Mas algo me assustou mais: o olhar dele. O olhar de meu amigo. E a forma como me fez ver o que eu não veria sozinha. As palavras dele me pareceram mais fortes do que o olhar de Maria Bonita.


Do que ele disse, uma frase ficou na minha cabeça: “Fiz por achá-la bonita...fiz por ela.” E, nesse momento, eu achei Maria Bonita bela, de uma beleza rara. E tornei-me mais próxima dele, embora ele não soubesse. Percebi-o mais humano, verdadeiro, forte e sensível. O carinho pelo que fazia fez crescer um grande carinho dentro de mim, uma admiração e um susto quase tão perfeito e doce como o que ele sentia ao redescobrir detalhes em fotografias.


Eu começava a colorir meu amigo e descobrir nele detalhes.


Acho que, ali, passei a entender mais a sua arte e talvez entender mais alguns motivos que o levaram a praticá-la. Ir colorindo era uma maneira de ir conhecendo, desvendando, tornando real.


Deve ser viciante a arte de colorir pessoas...deve ser viciante a arte de conhecê-lo, torná-lo real.

Um comentário:

Fábio R Sampaio disse...

Acho que tudo que é feito com carinho e dedicação tem a tendência de se tornar algo lindo no final.
Fábio