quinta-feira, 25 de dezembro de 2008

QUERER E TER

Quando eu era pequena, media o mundo pelos meus passos e, como eu precisava dar muitos para alcançar os lugares desejados, ele me parecia imenso. Os cômodos eram enormes, corria-se por eles livremente, os livros longos, as pessoas tão altas que me davam um certo medo. O mundo me engolia e minha necessidade de engolir o mundo crescia naturalmente e imperceptivelmente.
Nunca havia reparado na ânsia de possuir objetos, pessoas, carinhos e tudo que me aparecesse pela frente. Só me dei conta disso anos depois, quando já era criança crescida, vendo meus métodos infalíveis de possuir as coisas sendo utilizados pelos meus filhos também. Juro que nunca os ensinei e por esse motivo até me senti menos culpada, porque parecia feio querer possuir.
A brincadeira acontecia a qualquer momento, em qualquer lugar e situação, porque criança não perde tempo escolhendo ou esperando momento certo. Criança sabe que momento certo é sempre agora. A brincadeira consistia em olhar um objeto e dizer: "Aquele azul é o meu". Em seguida a outra criança dizia: "E o rosa é o meu." Isto era possível com a TV ligada e com aqueles apelos típicos de épocas festivas como natal e dia das crianças. Era fácil possuir um carro, uma boneca, um jogo, porque custava apenas os atos de querer e ter.
Da janela também era comum falar: "O primeiro que cruzar a rua vai ser meu namorado, o segundo para você, o terceiro para mim etc, etc..."
Era uma brincadeira deliciosa. Querer e ter. Íamos possuindo tudo. Um mundo grande que íamos tornando nosso pouco a pouco. Era como beber uma golada de água com a garganta seca. Não há sensação melhor. Satisfação, prazer, conforto. Nós nos sentíamos grandes, invadidos por um poder secreto, invisível, impalpável e, ao mesmo tempo, concreto.
Brincávamos de possuir o tempo também. Sempre dávamos um jeito de avançar pelas horas. As horas eram meras invenções descabidas de adultos. Por que não poder brincar até cair de sono? Deixar o relógio do corpo dar as ordens não seria mais sensato? Ouvir a tão famosa frase: "Está na hora de dormir!" era um ritual. Eu sempre tive vontade de saber em que convenção todos os pais haviam se reunido para chegarem no consenso da tão famosa "hora de dormir".
Bom, hoje, eu desenterro a velha frase e uso com meus filhos e, por que não dizer, sem dó nem piedade?
Hoje, os cômodos não me parecem tão grandes, as pessoas são do meu tamanho e, se eu quiser, possuo uma imensa área de terra num vôo simples ou num pequeno clique do mouse. Faço isso em segundos. Mas não me dá o mesmo prazer. Não tem a graça da sorte, do jogo, da burla.
Não brinco diante da TV ou da janela, porque, mesmo sem me dar conta, deletei estas atividades do meu cotidiano corrido. Esqueci-me de como me davam prazer, do quanto me libertavam. Virei escrava das horas num mundo que vejo sob diversos ângulos ao mesmo tempo. Iludo-me com isso. Acho que ganho tempo, dominando o espaço. Privo-me da doce inocência libertadora, de possuir espaço, tempo, tudo, em dois simples atos: o de querer e ter.

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