quinta-feira, 25 de dezembro de 2008

UM ENCONTRO

Eles não se encontraram por um acaso. Moravam na mesma cidade. Imagine, num mundo tão grande, morarem na mesma cidade ele e ela! Além disso, pertenciam a uma mesma geração. Com tantas e tantas gerações para trás, imagine que nasceram na mesma época ele e ela!

Encontraram-se, assim, no ônibus. Ele se ofereceu para segurar sua bolsa. Queria oferecer até o lugar, mas como o faria? Ela aceitou. A bolsa não pesava. Ele não precisava segurar, mas ela gostou da possibilidade de ele segurá-la. Ele não estaria segurando qualquer bolsa e, sim, a dela. Ele pensou o mesmo, mas ela não sabia, é claro. Já pensavam até a mesma coisa, sentiam emoções parecidas, mas não compartillhavam, não podiam. Quem diria? Quem se exporia naquele momento?

O celular tocou dentro da bolsa. Ela ouviu e estendeu a mão. Ele ouviu e ofereceu a bolsa. Normalmente ela não atenderia. Não costumava fazer isso dentro do ônibus. Nunca ouvia uma palavra do que as pessoas diziam, por causa do barulho em volta. Mas percebeu uma oportunidade de interagir com ele. Desejou que ele ouvisse sua voz. Ele desejou a mesma coisa.

Os toques cessaram e eles se olharam num entendimento mútuo. Sabiam que tinham perdido a oportunidade. Ela teve vontade de dizer qualquer coisa do tipo "Parou" ou " As pessoas não têm paciência". Imaginou que ele poderia dizer "É verdade" ou "Eu sou do tipo paciente" ao que ela poderia responder "Gosto disso num homem"...e aí poderiam até falar mais coisas e, quem sabe, trocar telefones. Ele ficou com palavras engasgadas, com vontade de dizer "Pode ser que toque de novo" ou "Você quer que eu tire o celular da bolsa? Assim, se tocar de novo, você pode atender rápido" Ele pensou que, como o tema seria o celular, talvez pudessem trocar seus números.

Mas não foi assim. Ficaram mudos, na ânsia de mais um toque, ou até mesmo de toque nenhum. Poderiam tanto falar de uma coisa como de outra. Não disseram nada.

Neste momento, o ônibus deu uma freada que projetou os passageiros para frente. Algumas pessoas reclamaram, outras acordaram de sono profundo, algumas se desequilibraram. Eles riram. Riram da situação. Riram um para o outro. Riso mudo, cheio de idéias. O riso dele era lindo. O dela também. Tiveram vontade de falar, mas realmente, naquela situação, não caberia. Ele saberia que ela estava interessada, se ela falasse ; da mesma forma que ela saberia do interesse dele, se ele falasse. Não queria um que o outro soubesse. Não assim. Não naquele momento. Era a primeira vez que se viam. Mas pensavam as mesmas coisas. E começavam a perceber isso. Coisas assim nem precisavam ser ditas. As palavras talvez até estragassem aquele momento de silêncio sincero, de encanto mútuo. Eles não falavam, mas se sentiam correspondidos e gratos pela sorte de se encontrarem assim. Ela, feliz por ele segurar sua bolsa e, ele, feliz por segurar a bolsa dela. Momento de intimidade profunda. Naquele gesto, ele sentia um pouco mais dela e ela um pouco mais dele.

De repente, sentiram medo. Difícil dizer se sentiram medo juntos, mas ambos sentiram. Um tinha medo de que a viagem do outro pudesse estar terminando. Ela se inquietou. Ele se mexia no banco, segurando com firmeza sua bolsa, como se aquilo pudesse fazer com que ela ficasse mais. Nem um nem outro sabia que os dois desceriam no ponto final. E viveram uma grande agonia juntos. A ansiedade pelo tempo que se esvaía e a frustração de não trocarem uma palavra crescia.

De repente, ambos tiveram idéia parecida, o que já não era nenhuma novidade, ou talvez fosse ainda, para eles. Tiveram a idéia de comentar sobre um passageiro que chamava a atenção pela aparência esquisita e mal cuidada. Ele viu que ela tinha reparado e ela também percebeu que ele tinha visto. Um sabia o que o outro tinha achado. Cada um sabia que se fizesse uma pequena observação, o outro concordaria.

Mas o inesperado aconteceu, deixando a palavra suspensa no ar: o passageiro desceu do ônibus.

Um olhou para o outro. Os dois olharam o passageiro. Ele olhou para a bolsa, ela também.

O próximo ponto era o final. Eles estavam felizes, desceriam no mesmo ponto. Que coincidência!

A última oportunidade brilhou na mente de cada um. Decididos, olharam-se, esforçaram-se, devoraram-se e...entenderam-se. Ele entregou a bolsa num "Chegamos" que ela não conseguiu decifrar. Ela pegou a bolsa e murmurou um "Obrigada" tímido e sem jeito. Desceram do ônibus. Ele atravessou a rua. Ela ia continuar do mesmo lado da calçada. Eles seguiram. Cada qual em uma direção. Ainda fizeram algo ao mesmo tempo, respeitando a sintonia inicial: viraram-se, olharam um para o outro. Ele teve a certeza de que ela estava arrependida por ter perdido a oportunidade. Ela pensou que ele voltaria e, finalmente, falaria com ela. Mas ele não voltou.

Ambos estavam cientes de que o tempo não voltaria e sabiam que não se veriam de novo, mas permitiram...permitiram o momento passar...e foram cúmplices, como não poderia deixar de ser.

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